Como fazer uma grande merda usando referências excelentes.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010
Não costumo assistir novelas, mas vi uma chamada da novela “Tempos Modernos” que me chamou a atenção. Dizia que o tal do Leal (Antônio Fagundes) estava muito doente e queria que suas três filhas disputassem o domínio de seus empreendimentos ou algo assim.

Ok.
Leal. Três filhas. Disputando herança.
Isso me lembrou Rei Lear, de Shakespeare. O nome do protagonista do folhetim já é alusivo por si só(Lear-Leal). Pois eu muito curioso, pesquisei e vi que as filhas também tem nomes semelhantes aos rebentos da majestade em questão.

Lembrando que a novela ainda ostenta um robô igual ao HAL-9000 do filme “2001- Uma Odisséia no Espaço”.

Eu realmente acredito que referências podem enriquecer sua obra; e convenhamos, quase toda obra artística contemporânea é um retalho de referências. Não se pode negar que existem muitas obras primas que são referências escancaradas á obras anteriores.

Mas o que me fez refletir foi ver como a indústria cultural se apossa de obras primas da humanidade, puramente artísticas, para produzir algo totalmente comercial. Talvez só eu ache interessante, mas enfim. O underground, ou qualquer arte que é mal digerida hoje, tem grandes chances de influenciar o pop de amanhã. Isso serve não só para arte mas também para o comportamento, costumes e etc. Há 15 anos atrás só alguém muito underground usaria alargadores na orelha. Há 100 anos atrás só alguém muito indígena usaria. Hoje em dia qualquer pessoa comum usa.

Por isso acho importante valorizar e incentivar o experimentalismo-underground por mais ininteligível que ele soe às vezes. Claro que alguns casos extrapolam e se tornam grandes cocôs. Mas muito das obras experimentais influenciam obras-primas que conseguem conciliar o artístico com o inteligível.

Mas voltando ao assunto da arte absorvida pela Indústria Cultural e transformada em mercadoria banal. Seria isso positivo de alguma forma? Citando o exemplo da novela acima, seria como apresentar um “Shakespeare & Kubrick for Dummies” para as assíduas telespectadoras de novela? Essas referências enriquecem a obra e acrescentam cultura?

Minha conclusão é: Acho que nem o autor, muito menos a emissora, visou enriquecer a obra culturalmente, e ouso dizer que ele baseou sua obra em uma trama pronta para facilitar o seu trabalho, usando de má-fé da pouca exigência dos telespectadores, ou uma tentativa má-sucedida de aproximação a um público mais exigente.
E não creio que isso enriqueça ou proponha uma discussão ao público da novela. Ou você imagina donas de casa ensandecidas discutindo sobre a influência da máquina na vida do homem pós-Revolução Industrial?

Nada contra as donas de casa noveleiras. Minha mãe é, e meu pai também está se tornando uma dona de casa noveleira. Até porque, ser uma dona de casa noveleira é um estado de espírito que transcende o sexo do ser em questão. Mas não é porque os telespectadores não são questionadores que o produtor precisa ignorar a qualidade e a criatividade. Afinal, é possível fazer algo pop e criativo, que as nossas queridas donas de casa -e meu pai- gostem e compreendam. Mas o que se vê é uma acomodação da criatividade, a criação como um trabalho braçal. Isso é reflexo de quem cria por dinheiro e não por gosto. Algo como uma linha de montagem, uma produção industrial do que poderia vir a ser cultura. Não se espantem, mas donas de casa -incluindo meu pai- também gostam de cultura. Eles só não exigem isso, como também não exigem redução na jornada de trabalho, como não exigem melhora na saúde pública, como não exigem inúmeras melhorias em sua qualidade de vida. É tudo uma questão de comodismo. E cultura é qualidade de vida. Isso me lembra a música "Comida" dos Titãs.

Não sou um chato que exige que toda obra proponha uma reflexão filosófica de 20 laudas. Sou chato por outros motivos, não esse. Só acho curioso como obras puras e criativas alimentam a Indústria Cultural e um punhado de aproveitadores da criatividade alheia para criar mercadorias que visam somente o fator comercial da coisa.


Obs: Quero deixar MUITO claro que não demonizo produções para puro entretenimento. Eu gosto de assistir besteirol de vez em quando. Isso tudo é um mero questionamento.

1 comentários:

Mirele at: 12 de fevereiro de 2010 às 17:09 disse...

Huun, eu nao concordo muito acho.
Acho que quem escreve essas novelas, como eu e como vc, estudou cinema, artes e blablabla, ele deve gostar do kubrick, vamos dizer, e colocou a referencia. Nao acho que seja preguica dele em criar e nao acho que ele espere que o telespectador entenda. Acontece que a gente estuda, e junta um monte de referencia achando que vai ser um cineata underground foda, mas a gente pode, se tiver muita muita sorte, acabar escrevendo novelas pra Globo...

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